sexta-feira, maio 20, 2005
"O tempo pesava. Cada segundo doía com o peso do tempo que o próprio tempo tem, e depois de milhões deles, um dia acordou, já praticamente sem forças, olhou para o espelho de metro e meio colocado numa das paredes, e percebeu seu reflexo sorrindo. Olharam-se por horas a fio, e o reflexo resolveu sair dali. Saiu do espelho, primeiro uma perna, depois a outra, olhou para o magro estabanado no chão daquela maldita casa velha e longe de tudo, que deveria ser um castelo de sonhos, mas na verdade era só aquilo mesmo, atravessou a porta e saiu correndo. Colocou-se fora do quarto, primeiro um pé, depois outro, correu pelo caminho, atravessou o portão e mordeu todas as maçãs que haviam na árvore. Mesmo não tendo mais condições para se levantar ou para ver seu reflexo saindo da casa e fazendo tudo aquilo, ele soube que foi isso que aconteceu. Teve certeza, a maior de toda sua vida. Como os reflexos são felizes.
Seu último desejo foi ser seu próprio reflexo do desejo."
(Andrei Simões)
Seu último desejo foi ser seu próprio reflexo do desejo."
(Andrei Simões)